sábado, 16 de março de 2024

Autorias BR na gringa... :)

Em um curto período de tempo, dois eventos legais no campo da literatura fantástica brasileira: os autores Renan Bernardo (seu site aqui) e Clara Madrigano conseguiram destaque no mercado americano. Ele, ao ser indicado na categoria Melhor Noveleta do Prêmio Nebula deste ano, um dos maiores prêmios do campo. Ela, conseguindo ser publicada na revista de contos Fantasy & Science Fiction (já saíra na Clarkesworld), e como destaque da edição.


Parabéns aos dois, espero ver mais disso ocorrendo - com eles, e com mais autorias brasileiras, assim como do dito Sul Global! 


quinta-feira, 7 de março de 2024

A Curva do Sonho

Deliciosamente PKDickiano.

AVISO: SPOILERS A SEGUIR

A Curva do Sonho (The Lathe of Heaven, 1971), de Ursula K. Le Guin, foi premiado com o Locus (1972) e indicado ao Hugo ('72) e Nebula ('71). 

No distante ano de 2004, em um mundo de escassez de recursos dado a superpopulação; George Orr é acometido de sonhos capazes de transformar a realidade. Temendo sempre o próximo sonho e uma mudança para (ainda) pior, ele infringe a lei tomando mais remédios do que uma prescrição legal permite, e, após uma overdose, vai parar em tratamento de sonhos. Lá conhece o Dr. William Haber, especialista no assunto, com uma tecnologia adaptada para influenciar sonhos negativos. A princípio Haber inevitavelmente duvida do que Orr alega sofrer, mas após lhe induzir e monitorar um sonho, testemunha a mudança na paisagem ao redor, tendo em mente agora duas versões conflitantes do mundo-como-ele-sempre-foi. 

Não demora para Haber entender que a chance para um mundo melhor - e uma certa dose de benefício próprio - está à mão, e ele passa a usar as sessões de tratamento que Orr legalmente deve cumprir para alterar a realidade, conforme crê o que virá a ser para o bem geral. Mas para cada nova melhoria, um desastre adicional: a superpopulação "historicamente" é combatida com uma praga que matou bilhões; o fim das doenças gerou uma mentalidade eugência; o fim da guerra entre os povos se dá com uma invasão espacial; e o fim do racismo significa o fim das identidades étnicas. Mas, na cabeça de Haber, a próxima mudança sempre será melhor - assim como maior será sua importância para o mundo. 

Filosofias entram em contraste na narrativa, especialmente visões de mundo taoísta versus positivista: o render-se às infinitas possibilidades do mundo versus a ânsia míope em melhorá-lo, não indo além de um controle extremamente limitado de uma situação. O artigo na wiki ainda menciona crítica a psicologia behaviorista quanto o utilitarianismo.

Capa da edição original.

As descrições de cenário primam pelo estabelecimento em poucas páginas, entre um sonho e o próximo. Mas tudo gira ao redor da cidade de Portland, no Oregon (EUA), indo desde uma versão com superpopulação, poluição e miséria até algo com poucas centenas de milhares de habitantes, com ecossistema recuperado, e dotada agora de uma importância global. Alguns marcos na paisagem são citados como referência, entre estilos arquitetônicos e necessidades urbanística que permanecem, mudam ou somem - mesmo o onipresente Monte Hood, vulcão a uma certa distância de Portland, pode ser avistado ou não, entrar em atividade ou continuar adormecido, de acordo com o momento. Nessas poucas páginas, Le Guin dá a vivacidade necessária para se entender o alcance do poder, o novo estilo presente e a miopia que se segue dos proponentes de cada novo mundo.

James Caan: boa escolha para o dr. Haber (adaptação de 2002).

O contraste entre os antagonistas é um dos pontos altos da trama. George Orr e Willam Haber são marcantemente opostos. Haber é um tipo grande e espaçoso, e além de extrovertido, é cheio de assertividades. Orr é tímido, com a personalidade 'certa' para se ter um poder tão terrível como aquele, pois, antes de mais nada, não quer tê-lo. Orr é dito ter a personalidade mais mediana já encontrada, pouco dado a arroubos ou frieza: entretanto, é forte para não se entregar à tentação de construir um mundo melhor, tão ambicionada por Haber. Le Guin explora bem as diferenças entre ambos, a cada cena que interagem, dando um domínio total do médico sobre seu paciente - que, no entanto, resiste como pode.

A terceira personagem de destaque é Heather Lelache, que me pareceu um pouco deslocada. Ela também é testemunha da mudança dos sonhos de Orr, e a princípio havia entrado na trama para - impressão minha, ao menos - ajudar Orr a se opor contra Haber, uma vez que ele sempre é descrito muito como passivo e ela, dotada de uma agressividade nata. Mas seu papel fica como interesse romântico de Orr, sem apitar maiores coisas no final das contas. Mesmo em dado momento, quando ela passa a nunca existir, Orr se mantém estável e controlado, como sempre se indicou como ele é: entretanto, isso não exatamente ajuda a importância de Lelache para a trama... ao menos, ao meu ver.

A história ganhou 2 adaptações para TV (1980 e 2002) e uma para o teatro.

Esse é um livro que lembra muito as histórias típicas de Philip K. Dick, e isto é proposital, sendo na verdade um tributo à uma velha amizade. 

Permitindo-me um pouco de especulação da minha parte... me parece que a crítica ao positivismo afeta uma visão tradicional vista na FC, quando alude ao progresso tecnológico em si a chance de redenção da sociedade: por tabela, uma crítica à própria FC, então tradicionalmente falando. Seria interessante saber se essa crítica encontrou eco ou mesmo fez vestir algumas carapuças...

The Late of Heaven foi já traduzido para o português (nos dois lados do Atlântico) algumas vezes, e Do Outro Lado do Sonhos gerou esta resenha por Marcello S. Branco. 

Parabéns à Morro Branco por mais essa.

A Curva do Sonho
224 p
Morro Branco

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Hyperion

Hyperion, de Dan Simmons: antes tarde do que nunca!

 AVISO: SPOILERS ABAIXO

Recém-publicado pela Aleph, este clássico de 1990 inédito em terras brasis - ainda, terras lusófonas - passou batido pelos nossos radares por tempo demais. Muitos aclamam como um dos grandes clássicos da literatura de ficção científica, merecendo seu lugar junto a sagas como Fundação ou Duna.

A tradução pode ser vista como sendo problemática, do título do livro - o titã Hipérion é velho conhecido da língua portuguesa - até a escolha do nome do grande antagonista da trama (até aí, Artemis - pitaqueado aqui - continuou sem acento na capa de sua edição BR pela Arqueiro: mais discreto, porém não menos estranho. Coisas do 'reforço de marca'?). Mas qualquer outro estranhamento que caso se possa ter é francamente diluível pela alta qualidade desta história.

Quem melhor conhece a obra me diz que é uma versão d'Os Cantos de Cantuária (Geoffrey Chaucer, sec. XIV), com a mesma estrutura de uma história sendo composta pelo contar dos personagens de suas próprias histórias pessoais. O que não é de se admirar, dado a formação acadêmica do autor ser de Letras. Uma outra obra dele, a duologia Illium e Olympus é a respeito de uma reencenação da Guerra de Tróia em Marte, por inteligências artificiais.

Como podemos ver, com Simmons nada é simples. 

Hyperion, portanto, é composto de uma história base que leva a bojo as histórias de seis dos sete protagonistas, em peregrinação para o planeta-título. Na medida em que a peregrinação ocorre, os personagens contam suas histórias pessoais e porque estão lá, para contar o tempo e talvez conseguir um insight de toda uma situação que os envolve, recheada de mistérios.

Na medida em que contam, percebem que, direta ou indiretamente, todos estão relacionados com  o remoto Hyperion e seu mais conhecido habitante, um monstro mitológico conhecido por empalar suas vítimas. Há todo um culto organizado por seres humanos ao redor do mito, que dadas horas lembra algo tirado de Hellraiser.

O futuro de Hyperion se passa no ano 2.732 (uma data modesta, perto de algumas antecipações mais hiperbólicas da ficção científica), e a Humanidade se espalha pelas estrelas sob sua Hegemonia, em centenas de mundos conectados por tecnologia de portais (chamada teleprojeção), também fazendo uso de naves subluz (com efeitos de dilatação do tempo contados como peso para a vida dos personagens).

Não é, apesar disso, um futuro gentil. Diferenças sociais abismais existem, potencializadas pela própria tecnologia, com ultra-ricos dispondo de casas em diversos mundos interligadas via portais, e massas de miseráveis vivendo de limpar canais de esgoto industrial como o descrito no planeta Portão Celestial, ou trabalhadores e operários vivendo em colmeias cinzentas em um ambiente esmagador como Lusus. Além disso, é citada a baixa alfabetização dessa mesma Humanidade pelas estrelas, e a singela falta da vontade de ler, como fica explícito na história contada pelo poeta: não bastasse, ainda uma parte da Humanidade, especializando-se em ambientes zero g, destacou-se e fugiu pelas estrelas, ameaçando voltar como uma força hostil contra a Hegemonia do Homem. Ainda, na última história, entendemos porque o espaço conhecido só apresenta relíquias alienígenas antigas ou o Homo sapiens: a 'hegemonia' assim é, pois descarta qualquer possibilidade de vida inteligente, antecipando uma concorrência.

A dupla duologia.

As histórias apresentadas se desenrolam bem, mesmo em sua complexidade, com focos em suas vidas pessoais alternando com as grandes questões e decisões que podem "abalar a galáxia", para ficar em um velho e preferido clichê, enquanto paisagens de diversos mundos são apresentadas, pelas memórias contadas ou durante a viagem dos peregrinos. Uma adaptação em minisérie seria realmente fascinante, pelos resultados.

No processo da escrita, vemos a qualidade do autor ao dar uma voz diferente (pessoal ou onisciente) para cada uma das histórias contadas, e aqui temos qualquer desenvolvimento de personagens: nesse primeiro volume, ao menos, ainda não li a sequência. Nenhum deles é particularmente simpático, salvo o professor, com o resto oscilando entre o mecânico e o insuportável.

As histórias pessoais são:

A história do sacerdote: "A fábula do homem e do deus"

Acompanhando a história prévia de um missionário, com seus pecados a pagar e sua crise de fé, a história contada por outro religioso que o conheceu, o padre Hoyt, bem descreve o afastar-se gradativo da civilização, mesmo uma com traços bem desagradáveis, cada vez mais dentro de lugares selvagens e inóspitos, exatamente como um evangelizador veria - apesar da conversão não ser a meta do missionário citado.

Por isso, essa história me fez lembrar de O Coração das Trevas (1899), em que se adentrava em um território cada vez mais longe, desconhecido e ameaçador a quem fosse de fora, como se fosse um personagem vivo. Ainda, as descrições das ruínas de tempos perdidos do Labirinto de Hyperion, assim como sua difícil acessibilidade, evoca facilmente as cidades perdidas de H. P. Lovecraft.

A relação com o povo Bikura de certa forma lembra o povo Pirahã, em seu isolacionismo e simplicidade (e com um missionário que saiu de seu contato com uma crise de fé), o que torna o contato pela linguagem outro tipo de desafio. Da mesma forma, os Bikuras são uma espécie de "neo-tribo": seres humanos que, no futuro, perdem o contato com a civilização tecnológica originária e forçosamente se readaptam a um estilo de vida tribal, ainda que à sua própria maneira (o "Povo Científico" de Estrelas, o meu destino sendo um exemplo). 

A história do soldado: "Os amantes da guerra"

A versatilidade de Simmons é vista logo no contraste aqui com a primeira história, melancólica e biográfica: agora vemos um thriller de sobrevivência sci-fi-militar taquicárdico, enquanto que a força hostil dos desterros é apresentada, assim como algum contexto. Poderia ser facilmente uma história no cinema estrelando, digamos, Tom Cruise ou qualquer outro 'action hero' que se queira elencar: o que significa que não há tempo para reflexão aqui, o oposto da história anterior. Há o mistério, entretanto, com que o soldado - cel. Fedmahn Kassad - se depara: a presença fantasmagórica de uma mulher nas simulações de batalha que, no final, levam ao monstro de Hyperion, e um pouco de seus planos.

Fan-arte inspirada. “The Lord and the Colonel”, por Alex Ries (fonte: Reddit

A história do poeta: "Cantos de Hyperion"

Aqui, temos outro depoimento pessoal, ainda que em uma história radicalmente diferente da do sacerdote, e talvez a que mais ofereça insights do cenário do romance. O poeta Martin Silenus, detestável até por seus companheiros de viagem, é uma extrapolação de ser escritor - especialmente quando quase ninguém lê -, eternamente em crise, seja porque não consegue público para sua 'alta literatura', enquanto que contratos milionários que lhe sustentam o luxo que tanto aprecia obrigam-no a escrever ficção rasa e escapista; seja porque luta para reencontrar sua musa: e quando a reencontra, tanto pior para todos.

O bônus aqui é um personagem secundário: há como não simpatizar pelo Triste Rei Billy e sua Cidade de Poetas.

A história do acadêmico: "O sabor do rio Lete é amargo"

O rio Lete, um dos rios do Inferno na mitologia grega, é o rio do qual as almas humanas, antes de renascerem, devem beber as águas, para que se esqueça da vida anterior. A citação do rio é o que ocorre com a filha de Sal Weintraub, como contado por este, É, disparado, a mais humana das histórias, 

Arqueóloga, a personagem vasculha as Tumbas Temporais de Hyperion, ruínas de sabe-se lá quando, para ser afetada de maneira única por suas 'marés temporais', revertendo sua idade rumo a seu nascimento, dia após dia. A agonia dos seus é desenrolada pela narrativa. E a peregrinação de seu pai, que tem nas mãos um bebê, é o que lhe resta como esperança - mesmo que em busca de um deus terrível.

A história da detetive: "O longo adeus"

Uma das mais famosas histórias de detetive dá o nome a este segmento, e aqui temos uma história seca, noir e cyberpunk para contar a participação das inteligências artificiais do cenário, especialmente seus esquemas velados: tudo começa com uma bela cliente - na verdade, um belo cliente - entrando pela porta do escritório chinelo de Brawne Lamia, investigadora particular, sem poder contar com a polícia, pedindo para que investigue um assassinato: o dele próprio.

A história do cônsul: "a história de Siri"

A ação da Hegemonia e uma pequena lição sobre como colonialismo funciona está nessa história, assim como as consequências da resistência armada. Ao mesmo tempo, ouvi ecos de Canções da Terra Distante, o último romance de Arthur C. Clarke (pitaqueado aqui), com longas despedidas entre amantes, separados pela dilatação do tempo por velocidades relativísticas. A dualidade - e oposição - dos mundos originais de ambos é uma resposta à proposta "E se Romeu e Julieta houvessem sobrevivido?".

***

Outra evidência da qualidade de Hyperion é que, apesar de recheado de referências literárias (o poeta inglês John Keats é paixão do autor), não conhecê-las não estraga a leitura: escritores, com suas pesquisas elaboradas, têm muito a aprender aqui.

Hyperion é seguido por Fall of Hyperion, Endymion e Rise of Endymion (trabalham como duas duologias), que estão ainda sem tradução publicada. Tomara que o primeiro venda o suficiente para a editora se interessar em lançar as sequências: é lastimável que, por exemplo, Anno Dracula - pela mesma editora - tenha ficado só no romance de estreia, por este exato motivo.

Recomendo altamente. Imperdível.

Hyperion
560 p
Aleph

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Fim da Pará.Grafo

 Em setembro do ano passado, a Pará.Grafo editora fechou as portas. Seu website não existe mais, e seu instagram não tem sido mais atualizado. Uma pena. A (ótima) antologia Terror na Amazônia conta com um conto conjunto meu e minha queridíssima Ana Carina Santos. 

Fará falta.

A Ameaça do Contínuo - Intempol 2

Muitíssimo feliz de ter meu conto 'A Ameaça do Contínuo' adaptado pelo próprio Octavio Aragão e desenhado por André Flauzino para o volume 2 da antologia em quadrinhos da Intempol, projeto que tenho uma relação desde os primórdios, em fins de 90...

AadC tinha sido publicado somente no antigo site da "Empresa", infelizmente extinto há muito tempo, é muito bom vê-lo com uma segunda chance. :)

O álbum está previsto para este ano.




segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Dollhouse

Tipologia desconjuntada: antes de virar clichê em capa de livros, creio: mas aqui, está no tema.

Aviso: sujeito a SPOILERS.

 Dollhouse (2009) foi uma série menos conhecida, das criadas por Joss Whedon. Ele já tinha feito seus mega-sucessos Buffy e Angel, fracassado gloriosamente em Firefly, ainda estava a 3 anos de despontar como nerd god no primeiro filme d'Os Vingadores - e ainda não sabíamos de seu comportamento extremamente problemático em ambiente de trabalho.

A essa altura, Dollhouse é uma série que, para ele, talvez seja melhor continuar a ser esquecida: a premissa é a de uma organização secreta com tecnologia de ponta que, através de lavagem cerebral futurista adormece a personalidade de adultos e cola em seus cérebros quase vazios novas personalidades, com habilidades próprias, ou por vezes um remendão de ambos os conceitos, para o melhor desempenho. Desempenho em...? Pois é. Para o que quer que um cliente que muito bem pague assim precise.

Ou seja, esses 'frankensteins cognitivos' agem como desde médicos, ladrões sofisticados, cantores ou artistas marciais, até escorts ou namorada/os por um fim de semana, para depois serem devolvidos e terem as memórias apagadas - e aqui está o óbvio problema do conceito, desde antes que se mostre a primeira cena de Eliza Dushku na cama com alguém que, em coisa de um ou dois dias, ela jamais irá se lembrar do que, onde e com quem: na Dollhouse, eles não estão em um papel, eles são o papel que lhes é imposto. A presença de bonecOs, além de bonecas, não convence muito, ao meu ver, em caso de uma alegada equiparação: prostituição masculina, via de regra, é muito menos debatida na sociedade do que a feminina (e nem precisamos mencionar prostituição gay).

No final das contas, é uma série não só sobre exploração sexual de pessoas vulneráveis, mas sobretudo, de controle: cabe a leitura de um artigo do Mary Sue sobre como Dollhouse é a visão discriminatória que Whedon tem a respeito de mulheres, debaixo de uma capa de progressismo. Me é difícil discordar.

Do ponto de vista da Ficção Científica, a ideia do espião sem memórias que tem um jeito de compensar com habilidades que jamais teve não é novidade desde, ao menos, O Super Espião. Conceitos similares podem ser vistos em John Doe e mesmo na comédia Chuck (a impressão que tenho é que acabaram derivando do conceito da reunião de talentos geniais com personalidades e backgrounds singulares para uma dada missão, agora é uma espécie de "exército de um homem só" de habilidades múltiplas). 

A ideia de personalidades vestindo corpos que não são seus também é uma noção manjada, mais recentemente vista em Carbono Alterado (livro original de 2003; cuja ideia de estocagem em mídia física de memórias e personalidades reaproveitadas em um corpo posterior aparece em Dollhouse no ep. 1x10). Na recente Severance, a ideia da separação da vida no trabalho da de fora do trabalho é elevada a um novo patamar. A escravização/servidão de seres humanos de maneiras futuristas, vistas em filmes como A Ilha (clones para peças sobressalentes), o que faz lembrar a HQ O Mundo de Krypton (a versão de Byrne & Mignola, 1987-1988), em que clones eram mantidos inconscientes, também como depósitos de peças sobressalentes para seus originais, em caso de necessidade médica - em uma sociedade avançada e hedonista.

... mas não é novidade, mesmo...

Claro que a Dollhouse em si não é, possivelmente, uma organização 'do Bem', mas também não é apenas uma startup de cafetinagem high-tech. Conspirações com motivos sombrios são hit desde, pelo menos, Arquivo X

Os eps tendem a sempre dar um motivo, aleatório ou não, para a programação instalada nos 'Ativos' dar um pifa, especialmente em Echo, a protagonista de Dushku. Apesar da repetição da premissa, isso é uma forma de progredir o próprio plot, especialmente dado o número reduzido de episódios (já faziam 12 por temporada, na época, logo após a greve de roteiristas de '07-'08). 

Cabe dizer que tecnologias inventadas em FC não raro se tornam fonte de episódios inteiros, quando começam a funcionar de maneiras inesperadas, uma vez determinados - para o público, especialmente - os parâmetros sob os quais elas devem operar: ou, deveriam. A franquia de Star Trek tem seu quinhão de problemas com o teletransportador e, claro, o holodeck, para ficarmos em um exemplo manjado - inclusive, um sobre como não usar este tipo de artifício. 

Em Dollhouse, o imprevisto é sobre a capacidade de absorver e esquecer as memórias e personalidades implantadas, além de variações que não necessariamente os personagens desenvolvedores não conhecem, o que é válido, já que a tecnologia é inteiramente nova: e brincar sobre variações imprevisíveis de uma tecnologia inexistente não é novidade desde Isaac Asimov e suas 3 Leis da Robótica.

A primeira temporada serve para então apresentar os personagens, a trama, a tecnologia de impressão mental e seus imprevistos, episódio por episódio, sendo os imprevistos parte da fórmula do 'caso/monstro da semana', como em tantas outras séries. O finale quebra com o formato, jogando a trama 10 anos no futuro, no distante ano de 2019 (pois é...) e o elenco quase só com outros personagens, apenas para o episódio. Muita coisa deu errado até então, com a sociedade reduzida a escombros, uma vez que aquela tecnologia desenvolvida para a Dollhouse saiu do controle (eis uma cronologia do universo da série).

E tome de causar impressões...

A segunda temporada começa no tempo normal, com Echo/Caroline (Dushku) ciente de cada impressão de personalidade que ela já recebeu (após eventos perto do fim da temporada passada), após passar a 1a. temporada dando indícios que ela se esquecia cada vez menos dos ocorridos de suas identidades temporárias. 

Os personagens ao redor ganham mais espaço para serem desenvolvidos, mostrando lados mais humanos do que como foram estabelecidos na primeira, e o alvo é a matriz da conspiração, a corporação Rossum (uma referência assumida), por trás das Dollhouses. Goste ou não, há algumas reviravoltas aqui, é bom se preparar. Os cenários se diversificam mais, de situações ou localidades (a Dollhouse de Washington aparece, e os planos para a futura 23a. em Dubai são parte de uma trama): destaque para o episódio 2x10, "The Attic", onde finalmente tão citado e temido "Sótão" da casa é mostrado, sendo uma espécie de 'The Matrix' mas feito da maneira certa, e que ainda remete ao final da 1a. temporada.

Os dilemas apresentados ganham vários contornos, dentro das limitações de tempo por episódio/temporada: mas para o final da segunda (que se firma com o finale da primeira), temos a discussão sobre quem teria mais direitos de se ser: uma personalidade original, ou outra desenvolvida com o tempo, após passar pelas remodelagens impressas - algo nem tão diferente de Douglas Quaid de O Vingador do Futuro (1990).

Problemas no deck de voo da Galáctica...

Múltiplas interpretações pelo mesmo ator ou atriz sempre são divertidos de ver, e se o trabalho é bom, de se admirar, apostando na versatilidade de suas atuações. Os exemplos são vários, mas só pra citar dois de cabeça, Eddie Murphy vira e mexe faz isso em um de seus filmes, e Tatiana Maslany impressionou muito bem em Orphan Black. O elenco de 'Ativos' tem a oportunidade de fazer isto várias vezes e, francamente, achei divertido comparar. Falando no elenco, vários rostos com quem Whedon trabalha surgem, além de outros conhecidos, especialmente se você assistia séries da Fox daquele período.


Rostos whedonianos se reencontrando.

Conclusões finais? A série merecia mais. Merecia mais tempo para desenrolar e deixar um pouco mais claro os desenvolvimentos da tecnologia de impressão de personalidades, assim como toda a trama em si. Merecia ter seus atores com melhor disposição para trabalhar o alcance de papeis, por exemplo. Merecia, também, um pensar mais cuidadoso quanto às questões acima colocadas - em 2009 certos simancóis talvez já devessem estar melhor tomados.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Lebre da Madrugada e Príncipe Partido

Livro 1

AVISO: SPOILERS A SEGUIR

Lebre da Madrugada e Príncipe Partido formam a duologia Senhores de Sombra e Prata, romances de estreia de Arthur Malvavisco, autor sul-mato-grossense, publicados pela editora Corvus. Participei do financiamento coletivo, o que me deu acesso aos livros físicos. O formato digital também está disponível no site da editora (que, se entendi, deve lançar uma versão física regularmente).

A obra é de fantasia, com elementos medievais europeus no cenário, enfatizado pela sonoridade de nomes próprios e de lugares. Temos, no início de ambos os livros, um "Mapa da Região Norte de Solária", onde se passa a trama de interesse, embora não haja maiores conexões com o que existe ainda por aí, ou uma sensação de escala - como convém, ao meu ver, em tempos de dúbia cartografia. O mundo é rico, que ente o trabalho de pesquisa do autor e de pesquisador do autor, da área de biologia, trabalhando com répteis, resgate florestal e educação ambiental. Seu repertório é bem utilizado na construção e em causas-e-consequências do mundo e de ações, sempre bem descritas e em uma prosa fluída. Adiciona-se à trama elementos de identidade e sexualidade, que também fazem parte do universo pessoal do autor.

A trama se passa na Solária do mapa, onde seres humanos reconhecíveis como tal vivem, e que sofrem a cada dez anos com o Eclipse, um evento onde um outro mundo/plano chamado Ilúria colidem. O evento, a cada dez anos, é traumáticos, pois tanto o Umbral (a grande força mística que rege o entre-mundos) insiste em sangrar para outros planos com consequências nefastas; quanto os ilurianos (uma raça humanoide agressiva, de cultura belicista) aproveita para invadir Solária, cujas pessoas não são tão fortes assim. A saída em Solária foi montar uma igreja baseada em uma figura messiânica, e correr atrás de indivíduos capazes de canalizar as forças do Umbral e pô-los sob domínio orientação desta Igreja.

A partir disto, temos descrições que nos deixam à vontade nos diferentes ambientes de Solária, sobrando Ilúria em retrospecto nas lembranças de Aeselir. Especialmente em Lebre, em que muito de uma road trip acaba acontecendo, com o casal protagonista em fuga, após um início urbano e arredores. Apesar de Ilúria (e todos os seus dramas próprios) sempre ter um aspecto mais sombrio, mesmo isto é presente em Solária e suas paisagens, mesmo as mais agrestes: pontos extras pela abandonada Val Loire, vítima de um Eclipse em tempos anteriores.

Dois livros foram necessários para contar a história que Malvavisco queria contar, de 312 e 448 páginas respectivamente, sendo bem slow burn. Nelas, temos as histórias que se entrelaçam de Andras e Aeselir Hrád, que seguem a lógica enemies to lovers: mas reduzi-la a isso é subestimar toda essa construção. E prefiro não me alongar, porque julgo que essa resenha de Lebre da Madrugada, na Amazon em 17 de fevereiro último, já comentou de forma brilhante essa relação, e da mesma forma outros aspectos do primeiro livro.

Livro 2

Em Príncipe Partido temos o desenvolvimento das situações apresentadas em Lebre e às conclusões possíveis, da bagagem emocional dos personagens - especialmente Aeselir, que o segundo livro o torna protagonista de toda a história, em um sentido mais amplo - ao que fazer quanto ao apocalipse iminente.

A complexidade da trama e dos personagens em transformação aqui se mantém, e realmente leva o excedente de páginas para desenvolvê-las como bem merece. Entendendo que é o primeiro texto longo publicado do autor, o resultado me deu a impressão de um tour de force que talvez tenha sido um desafio para o escritor, especialmente se iniciante: tanto quanto d/escrever as informações necessárias (cenário ou do que for), há que se saber quando não. A duologia é rica em todos os traços a que se propõe, mas nem sempre me pareceu - notem, me pareceu - algo totalmente às claras; mas assim considero que possa, ou mesmo deva, ser a literatura: há um tanto para se deixar claro, e há outro tanto para se deixar a cargo dos próprios leitores. 

E, no caso dos Senhores de Sombra e Prata, ou de mundos que vivem à sombra um do outro, nada mais adequado.

Na loja da editora pode-se baixar gratuitamente o conto A Corrida dos Lobos, do autor, passando-se no mesmo universo.

Em suma: recomendo. Foi muito bom encerrar o ano com uma leitura assim, e esta como minha última resenha. É seguir o autor daqui por diante, e esperar o que ele ainda trará aos seus leitores.


Lebre da Madrugada
312 p
Príncipe Partido
448 p.
Corvus

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Argos 2023

 

Anno Draconnico, com vitória dupla de Ana Merege: é 2017 de novo!

Semana passada, quarta dia 13, tivemos a entrega do Argos 2023. Na figura acima, os ganhadores nas categorias Romance, Antologia/Coletânea e Conto. Cirilo S. Lemos levou o primeiro, e Ana Lúcia Merege os outros dois.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Entrevista com o Vampiro (2022)

Para assistir sem medo!

AVISO: SPOILERS ABAIXO

Adaptações sempre são uma aposta. Algumas dão certo, outras é melhor nem lembrar. Havendo começado com o óbvio, Entrevista com o Vampiro foi a melhor série em se tratando de natureza fantástica que assisti esse ano - e isso contando com Silo (resenha aqui), Extrapolations e For All Mankind.

Dá a impressão que tudo aquilo que deu errado com Anéis de Poder se acertou aqui: e houve mudanças arriscadas, as mais óbvias sendo tanto a mudança étnica de Louis quanto atualizar a série, tanto no passado - que agora começa em 1910 - e com a segunda entrevista, que é hoje em dia: a entrevista original de Daniel com Louis está no passado de ambos os personagens, ocorrida no final dos anos 70 e que acabou de maneira, huh, conflituosa: em uma cobertura da moderna Dubai, Daniel comparece a  um convite de Louis, para retomarem a conversa interrompida décadas antes, e assim esclarecem diversos pontos que a entrevista original omitiu, transferindo a ação para a Nova Orleans de 1910 a 1930.

A vantagem de se ter uma adaptação para a televisão, em vez de um filme, é que não temos que correr com o prazo apertado de cerca de duas horas somente do filme: esparramados em diversos episódios de 40 ou 50 minutos, há tempo para as minúcias acontecerem e, se cultivadas de modo certo, reforçam aspectos centrais da trama, personagens e o mundo: a relação do triângulo Lestat-Louis-Claudia é demonstrada e desenvolvida em toda sua doença. Da mesma maneira, as décadas se passando mostram a mudança de costumes, porém a permanência das questões raciais.

A perfeita família disfuncional.

O elenco está simplesmente incrível: o casa de protagonistas exibe, como tanto foi notado, uma química excelente. Nesse aspecto, é uma adaptação bem fiel: no fim das contas, temos a visão do que aconteceu de Louis, e Lestat é - inevitável porém inegavelmente - mantido como o monstro misterioso, criador e destruidor, incapaz de remorso e agindo sempre sob interesses próprios. O Lestat de Sam Reid entrega exatamente isso, o tom de ameaça sempre a cada instante que surge, o lado brincalhão que sempre sublinhou a crueldade acrescentam personalidade junto do amor que sente por Louis - na versão, claro, de Lestat do que seja o assunto. Mas mesmo o boneco insensível que dá a impressão ser Lestat consegue-se aqui gerar um mínimo de empatia, ao citar sua origem e seu relacionamento com o vampiro que lhe criou: e que, mesmo apesar daquele terror, a ideia de abandono o aterroriza, o que ele acaba levando adiante.

A faixa do amanhecer, a fresta do caixão que abre, a mordida vampiresca: abertura sensacional de várias leituras.

Jacob Anderson, (conhecido do fandom como o Grey Worm de Game of Thrones) no papel do 'vampiro humanizado', vítima de seu criador, tem muito mais tempo para desenvolver Louis, ainda levando em conta suas origens mortais como um homem preto da Nova Orleans de 1910. com uma família que consegue enriquecer e ter uma boa posição social - tudo considerado... - mas que com que desenvolve uma relação cada vez mais conflituosa (não bastasse desaprovarem sua linha de trabalho), especialmente após o envolvimento com Lestat: a perda dos vínculos de afeto e sociais, que nos ajudam com nossa própria humanidade, são muito bem desenrolados aqui.

Bailey Bass, com apenas nove créditos como atriz segundo o IMDB, dá toda uma nova dimensão para Claudia, essa é uma atriz para prestarmos atenção quando seu nome aparecer. A personagem aqui mudou, inclusive, de idade - de novo: a Claudia original dos romances era ainda mais jovem do que a Claudia de Kirsten Dunst -, e a percepção de ser uma recém-adolescente eternamente pode ter uma realidade material ainda maior do que a percepção de ser uma criança eternamente, levando uma dose de drama. E é ela que será a grande fonte de oposição a Lestat, primeiro com seus desvarios encantada com sua nova condição, depois em frio cálculo e planejamento: novamente, tudo isso com a vantagem de se ter diversos episódios, em vez de somente duas horas de filme.

Psycho-cutie-cutie dos papais.

Agora, é Eric Bogosian com seu Daniel  Molloy velho, doente, sobrevivente do encontro original, um jornalista que acumula décadas de cinismo e acidez, e que não sabe quando parar - e não é de hoje - que contestamos quem é o protagonista aqui. As perguntas de Daniel, assim como suas colocações, não raro deixando que o trauma e o ressentimento de quarenta anos antes as guie, ajuda a guiar as memórias e a história que Louis conta - mesmo para o desgosto do próprio, por vezes. 

No fim das contas, Entrevista com o Vampiro é uma linda passagem de tocha, entre gerações, das adaptações de uma mesma obra importante para o terror, e que a própria autora elogiava: me deu a impressão que, algumas coisas, talvez ela tivesse querido ter escrito pessoalmente, lá atrás...

Esta série faz parte do mesmo universo onde se passa As Bruxas Mayfair de Anne Rice, de outra série de livro da autora. A ideia é uma mesma cronologia... espero que dê certo. Ambas as séries estão ainda apenas com sua primeira temporada.

Que venha a segunda!

domingo, 26 de novembro de 2023

Resistência (The Creator)


Gareth Edwards e todos os nossos finais felizes mediante o apocalipse.

SPOILERS ABAIXO

Podemos pensar em uma escola de direção de hardware militar, da qual os decanos do curso certamente seriam James Cameron e Michael Bay. Mas, provavelmente beneficiado pela liberdade do roteiro de "apenas" 80 milhões de dólares, o mesmo Gareth Edwards que dirigiu Rogue One consegue em Resistência contar uma história talvez mais ao seu gosto, do que sofrendo interferências como no outro caso, e manter o 'military porn' em níveis satisfatórios - embora me pareça que não sejam poucas as correlações entre ambos os filmes.

Temas e estéticas do filme podem ser encontrados em uma genealogia que inclui "criancinhas mágicas" hi-tech que inclui I.A. (Spielberg) e Metrópolis (Otomo); o reconhecimento de direitos de robôs/inteligências artificiais como base para levante social e motivo pra guerra no pano de fundo do universo de The Matrix, assim como os replicantes de Blade Runner (uma das referências declaradas do autor).

No aspecto do aprimoramento da robótica, o filme também meio que é uma História Alternativa, com o avanço da pesquisa de inteligência artificial já deixando robôs participarem das tripulações do ônibus espacial nos 1980, conforme a "recapitulação histórica" do início. as inteligências artificiais são um fato comum na vida do planeta. Há robôs e simulantes, que são robôs de aspecto externo bastante humanos (a FC costuma chamá-los de andróides), inclusive com "aparências doadas" por seres humanos, em todos os setores da sociedade.

No meio do caminho, entretanto, uma bomba atômica atinge Los Angeles matando um milhão de pessoas, e a responsabilidade recai sobre as IAs (isso é esclarecido depois como um acidente, mas para nenhum efeito prático) que deveriam defender o país. Isso deixa os EUA, em nome do 'ocidente' (lá pelas tantas deixam de usar 'ocidente'), uma vez eleito um novo inimigo, um país vilanesco e agressivo.

Military porn: hardware e a estética futurista da opressão.

Enquanto isso, no oriente, nas nações da tal "Nova Ásia", as IAs eram rotineiramente mantidas em segurança e integradas à sociedade, sofrendo com os ataques contínuos americanos. A capacidade tecnológica deixa os robôs auto-conscientes e, no processo, capazes de tanto afeto quanto o ser humano. Há robôs que ocupam o cargo de sacerdotes e monges, como é demonstrado, havendo encontrado inclusive significado na espiritualidade: é isso ou "é tudo programação", como se insiste que seja pelos olhos dos ocidentais?

O filme, portanto, tem diversos componentes do leste asiático, entre cenário e elenco, enriquecendo a disposição futurista da trama, ao se passar em 2070 e não se limitando a um cenário totalmente americano, idealizado no progresso ou na derrota. Há um quê de "paraíso tropical conspurcado por ações militares" que também está em Rogue One, o que me faz perguntar se não é uma preferência também do diretor - embora, claro, não seja o único a abordar esse tipo de contraste.

Ken Watanabe e uma espécie de Caminho do Meio: o retrato da última guerra, antes da Singularidade?

A retratação dos "povos asiáticos" sem definição, mas assim mostrados, é a tolerância e complacência  (mesmo quando pegando em armas e lutando para sobreviver) com as quais, afinal, atraíram a ira americana ao receberem sem reservas os robôs em seu meio. Na insistência de um EUA vilanesco e agressivo, talvez se compense o que talvez seja uma forma elogiosa de orientalismo? Cartas para a redação.

A história em si passa pela terceira variação que assisti esse ano, após O Mandaloriano e The Last of  Us, do cara truculento que tem que proteger uma criança desconhecida durante um trajeto e vai amolecendo no processo por causa do elo que, a contragosto, desenvolve com a criança. Ao menos, dessa vez, não foi com Pedro Pascal. :) Igualmente, foi a terceira criancinha mágica do ano (ela é a escolhida/tem em sua biologia um segredo/é híbrida de partes improváveis e/ou opostas/etc).

Criancinhas mágicas: a forma das coisas que virão.

A trama é mais complexa do que isso, com um soldado ocidental infiltrado entre guerrilheiros orientais para encontrar um grande projetista de IAs para assassiná-lo mas que se afeiçoa àquela gente e uma mulher em especial, então "going native" (Avatar, Pocahontas). Após um ataque onde está e sua gente ser obliterada, é retirado da aposentadoria, convencendo-o a retomar a missão quando vendem a ideia de que sua favorita - morta quando estava grávida do filho deles - ainda estaria viva. Encontre-a, e encontraremos o tal arquiteto misterioso. 

O trecho final - onde para se resolver as coisas depende-se da decolagem de um voo clandestino - é meio corrido, o que é curioso, pois são mais do que duas horas de filme. Mas é o problema quando, ao lado da ação desenfreada, ainda se procura tempo para desenvolvimento de personagens e suas tramas mais pessoais, sentimentais - e inevitavelmente mais lentas. 

O elenco está muito bom, com John  David Washington (filho de Denzel, aliás), fazendo com Gemma Chan (desde 2015 às voltas com direitos de robôs) muito bem um casal trágico, e, em ótima estreia, a criancinha mágica de Madeleine Yuna Voyles.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Prêmio Argos 2023 - Segundo Turno

O Argos encerrou na virada pra esta terça e já divulgamos os resultados dos finalistas para o 2o. turno, em que qualquer um - membro ou não do CLFC - pode votar. Aqui segue o link para a cédula. Sim, este ano teremos dois turnos. O resultado do 1o. turno (votação fechada no CLFC) rendeu os finalistas abaixo, candidatos na nova cédula de votação.

Alguns são veteranos, havendo até ganhado em outros anos, enquanto que há alguns nomes que, na comissão ao menos, desconhecíamos até aqui.

Melhor Romance:

* Baluartes: Terra Sombria, de Clinton Davisson  

* Bem Mal me Quer, de Hache Pueyo

* Estação das Moscas, de Cirilo S. Lemos

* O Fantasma de Cora, de Fernanda Castro

* Paradoxo de Theséus, de Alexey Dodsworth


Melhor Antologia/Coletânea

* A Study in Ugliness e outras histórias, org. por Hache Pueyo

* Fator Morus, org. por Lu Evans

* Mafaverna: Democracia, org. por Jana Bianchi e Diogo Ramos

* Os Pilares de Melkart, org. por Ana Lúcia Merege

* Outros Brasis da Ficção a Vapor, org. por Davenir Viganon


Melhor Conto:

* Fica com Mi-go esta Noite, por Carlos Relva

* Jogo do destino, por Ana Lúcia Merege

* O Renascer dos Deuses, por Oghan N'Thanda

* Planeta Quilombo, por G.G. Diniz

* Sankofa, por Juliane Vicente


quarta-feira, 13 de setembro de 2023

O Planeta do Exílio

Saudades de pockets assim...


Mês passado ainda conclui O Planeta do Exílio (1966), de Ursula K. LeGuin, nessa edição mesmo, da foto. 

Não tenho nada para falar que a Cristina Lasatis tenha dito em uma resenha de seu blog, que descobri no skoobs. Vale a leitura.

Acrescento que, ao que nos parece, a ideia da colônia da Humanidade que perde laços com sua origem, regredindo tecnologicamente era uma ideia vigente no período. Temos pelo menos o ciclo de Darkover, de Marion Zimmer Bradley, e Dragonriders of Pern, de Anne McCaffrey. 

Não deixa de ser uma forma de lamento do Éden perdido, presente no desencantar de um mundo como a Terra Média de Tolkien, onde as coisas eram definitivamente mais agitadas do que antes da Terceira Era.

Mas anoto aqui pelo registro.


O Planeta do Exílio

224 p.

Ediouro

domingo, 10 de setembro de 2023

Silêncios Infinitos

Anong Us - o Livro

AVISO: SPOILERS A SEGUIR.

O sistema tríplice de Alfa Centauri, distando de nós "apenas" 4,3 anos-luz, vem sendo uma constante na Ficção Científica, e a descoberta de um planeta ao redor de Alfa Centauri C (mais conhecida como Proxima Centauri), em 2016, apenas agitou ainda mais nossos sonhos de exploração espacial: rochoso e do tamanho da Terra, Proxima Centauri b (em minúsculo) está na distância certa para que, caso haja água em sua superfície, ser encontrada em estado líquido, o que por sua vez sugere a possibilidade de haver vida (nem que um pouco como a que conhecemos) ou, pelo menos, viabilizar alguma sobrevivência nossa: e é lá que a trama de Silêncios Infinitos se desenrola. Passando-se no século XXVI, temos a história da expedição que lá chegou, e sua tarefa é preparar o planeta para a futura colonização.

Próxima Centauri b é retratado como um mundo de luz eternamente vermelha e imutável, como convém a um planeta que sempre mantém uma mesma face voltada à uma anã vermelha, e de vegetação escura, negra - para a máxima captação da luz solar. A atmosfera ainda é irrespirável e os níveis de radiação são problemáticos. Na verdade, temos muito pouco do planeta (há um mapa-mundi no início do livro, junto com uma breve cronologia do futuro), com a ação se passando entre os módulos da estação em que vivem e trabalham as personagens. Há descrições de sua organização, assim como as IAs presentes, e como isso acaba sendo importante a todos e à trama.


Concepção artística da vista de Próxima Centauri b e seus três sóis, no céu.

Isso por si me lembra de séries e filmes como Espaço 1999, Projeto UFO e 2001 - Uma Odisseia no Espaço: ambientes altamente tecnológicos, a única possibilidade de sobrevivência entre um exterior vazio e letal e um interior seguro porém estéril. Sob um certo aspecto, toda a tecnologia presente e o isolamento fazem com que esse tipo de cenário, em si, seja uma espécie de idealização de um laboratório onde o humano não deixa também de ser um experimento: o que, para a trama, faz sentido.

Os personagens são 26 clones adultos de especialistas em suas áreas que ficaram na Terra. Os clones mantêm alguma memória pessoal e traços da personalidade, realçados ou enfraquecidos conforme edição prévia desses originais e tratamento com remédios. Eles são peças dum grande mecanismo que preza a máxima eficiência dado a ambição da missão, e é curioso ver como, mesmo assim, o fator humano dá um jeito de se imiscuir, pelos clones ou seus originais.

A trama é contada a partir do ponto de vista de Liu, um clone que, ao despertar quando a expedição chega, recebe a carga mnemônica de dois clones: a que se destinava, a partir de seu original, e a de uma colega, Dira, cujo clone não acorda, e o sono é um enigma durante o ano que se segue, antecedendo o relato do livro. A personalidade de Liu é dominante, mas a de Dira não é apenas no plano da memória: e suprimir essa presença é de um grande transtorno para Liu: e aqui nós temos a grande sacada, representada na capa do livro, que é a apresentação da transgeneridade em um ambiente futurista e sua percepção como um erro, e o armário que disso gera -- uma vez que não há protocolos, naquela ordem perfeita, para aquela situação. O que fazer? O sentimento de inadequação de Liu lhe é avassalador.

Mas não demora muito, e o drama pessoal narrado por Liu, como já não lhe bastasse, é confrontado por outro problema: o líder da expedição morre assassinado. E há pouco tempo para descobrir, uma vez que uma tempestade gigantesca se aproxima da base.

Ao final das contas, o livro apresenta uma atualização da indefinição de se ser quem é a partir de memórias implantadas -- conforme Philip K. Dick trabalha tão bem em sua obra, desde os anos 60 -- trazendo para uma questão atual, da identidade de transgeneridade - com um twist todo próprio, como bem cabe à ficção científica. Witter também apresenta questões de ética - a eutanásia planejada para Dira, uma vez que a preservação de seu corpo apenas consome recursos - e, novamente, recontextualiza no ambiente futurista que preparou. A ideia da descarte de um ser humano, ou seu clone, não termina com a questão da eutanásia: ao meu ver, todos os clones presentes são descartáveis, e confesso que esperava dada altura do livro isso seria revelado, em mais uma menção a PKD - agora, com o tempo de vida útil dos replicantes. São questões, ainda, que valem a tag para este post de transhumanismo.

E isso, agora, me leva a ler uma nova versão de um tema que gosto muito, que chamo de "pecados dos pais": como a geração subsequente à de outra, em seu tempo protagonista, sofre com os erros cometidos por esta - no caso, os clones sofrem pelos atos de seus orginais orgânicos. Há uma lembrança aqui, pelo conceito somente, do filme A Ilha, com Ewan McGregor e Scarlett Johansson, em que clones devem - falando em termos amplos - pagar pelos erros de seus originais. 

Não é à toa que os clones, no livro, recebem seus nomes baseados em um deus de alguma cultura ao redor do mundo que tenha a ver com sua função, especialmente Hebe, "especialista em medicina de prevenção, cuidado e bem-estar", recebendo o nome da "deusa grega da juventude"; Naga é devido a uma "entidade guardiã entre os tailandeses", sendo "especialista em engenharia de segurança, com habilidades de luta e sobrevivência", etc. A nave que os transportou é chamada Vímana, e foi pilotada até lá pela IA cujo acrônimo se lê AGNI, também uma divindade hindu, do fogo, e ligada aos mitos de criação. Há uma bela descrição, no início do capítulo 3 (p. 27) comparativa entre o desmantelamento da nave para novas funções e a liberação de sua carga como a nova vida que se fará no planeta com mitos cosmogônicos, de onde dos restos mortais de um ser primordial surge a vida e o próprio mundo. Nada mais mitológico - ou, ao menos, grego-mitológico - que os erros antigos também sejam transmitidos nas novas oportunidades.

Terra: Próxima b não está impressionado.

Por último, gostaria de notar que foi com certa surpresa, pouco tempo depois de ter lido Corrosão, de ter me deparado tão cedo com outro livro brasileiro de ficção científica hard, ainda que tomando mais liberdades quanto ao cenário do que seria Próxima Centauri b - se bem entendi. Mas, ao contrário dos dilemas cósmicos de Gondim, Witter foca no dilema interno da personagem central, apesar do nível detalhado de uma missão de contornos épicos executada em ambiente altamente tecnológico, porém igualmente sem lançar mão de soluções mágicas, como convêm à space opera ou outros subgêneros da ficção científica: percebam, não tenho nada contra isto, mas reitero que é bom ver autores nacionais com a segurança de conduzir suas tramas dentro desse tipo de regra do jogo.

E assim como o livro de Gondim, gostaria de ver mais - particularmente, ainda mais que Corrosão, Silêncios Infinitos (um romance curto) termina sugerindo fortemente que pode haver uma parte 2 em algum lugar do hd da autora.

O livro faz parte da coleção Dragão Mecânico, da editora Draco. O capricho gráfico que lhes são peculiares está lá.

Recomendo.

Silêncios Infinitos
130 p
Draco

sábado, 19 de agosto de 2023

Silo

Silo: a verdade virá à tona - e alguns outros tantos mistérios também...

AVISO: SPOILERS A SEGUIR

Silo (2023) se passa em um período pós-apocalíptico, onde dez mil seres humanos nascem, crescem e morrem dentro de um bunker subterrâneo de 144 pavimentos, com medo do que ocorre na superfície. Eles sobrevivem em uma sociedade estável, por pelo menos 140 anos após um cataclismo, embora não saibam muito mais além disso: uma facção revoltosa no passado arruinou seus registros computadorizados, e ninguém se lembra mais como tudo aconteceu antes - "e a tradição oral?" pode ser uma pergunta válida, mas sem tantos spoilers assim.

A construção do cenário é bem explorada, com uma sociedade focada em cada um fazer o seu trabalho, em um ambiente confinado. Podia ser a bordo de uma nave ou veículo de gerações, como em O Expresso do AmanhãAscension ou algumas outras, embora a referência pop mais direta hoje em dia seja a série de games Fallout, onde personagens despertam de um sono induzido após o mundo entrar em uma guerra nuclear nos anos 50. Outras referências ceeertamente incluem 1984, onde o Grande Irmão nunca deixa de velar pelo povo, embora este, aqui, não tenha a menor ideia do que está acontecendo. Ainda, a ideia de uma sociedade confinada com medo - especialmente o injustificado - do que ocorre lá fora é antiga, de saída lembrando Fuga no Século XXIII e, claro, THX 1138. Podemos também nos lembrar de Zion, o último bastião da Humanidade, na franquia The Matrix.

Logo se vê uma conspiração envolvendo assassinatos, que é o que move a protagonista, que quanto mais cava, mais se aprende sobre os detalhes da sociedade, tanto os às claras quanto os sombrios. É uma trama sobre o apagamento sistemático do passado, em prol da segurança presente - e de interesses não necessariamente justificados para todos. O controle da informação sobre o passado é pivotal na trama, o que leva a um diálogo com obras da FC como o já referido 1984, mas também, pelo pós-apocalíptico da coisa, com Um Cântico para Leibowitz e mesmo Fundação.

Bom trailer!

O Silo, como assim é chamado, tem seus diversos pavimentos conectados sobretudo por um grande eixo central, ao redor do qual há uma rampa helicoidal, e as passarelas de acesso. Tudo é cinza meio esverdeado, salientando o cimento que vivem. Na base, há os engenheiros e mecânicos que mantêm 24 horas por dia o maquinário necessário funcionando, em geral se considerando meio esquecidos pelos demais níveis. Não há veículos, no máximo porters, mensageiros que vivem indo pra cima e pra baixo levando desde mensagens a alguma pequena carga. A tecnologia é similar à nossa, mas com um quê mais atrasado, justificável em uma sociedade que dirige todos os esforços em se manter funcional. À vista e escondido de todos, um poder Judiciário controla tudo ajuda a manter a ordem na casa: relíquias do mundo pré-apocalipse são objeto de visitas desagradáveis da lei em sua casa - e por elas, percebemos que o que acabou com a civilização não parece estar tão longe de nossa época.

Em cada nível há uma cantina comunitária, onde um amplo monitor panorâmico transmite, 24 horas por dia, uma mesma imagem, advinda da única câmera montada no exterior, sobre a saída do lugar. A saída do Silo, aliás, é garantida a qualquer um que se manifeste com uma frase como "eu quero ir lá fora" - mas uma vez proferida, não há desistência possível. O sistema criminal americano é lembrado aqui, com toda uma cerimônia de preparar um traje de sobrevivência, como quem arma uma cadeira elétrica ou câmera de gás, assim como o cargo de xerife, e a tropa de choque da polícia. Outra característica que permeia por alguns diálogos é a mítica dos 'Pais Fundadores' dos EUA, no caso, do Silo, que 'sabiam do que faziam', mesmo quando deixavam todo mundo sem resposta para algumas tantas perguntas.

Visualidades e ecos inevitáveis: O Planeta Proibido, O Túmel do Tempo...

O que leva a uma questão: onde ficaria o tal Silo? Uma única ideia, nesta temporada, é oferecida pela observação anual de um personagem secundário, que detecta uma formação de estrelas, à noite - cuja natureza os habitantes do Silo também desconhecem -, em forma de um W meio torto, que ele percebeu que nunca desaparece e reaparece sob o horizonte ao longo do ano. O dábliu sendo, pra conhece, a constelação do céu setentrional de Cassiopéia. E se ela é perene, ou seja, nunca se põe, está a (pelo menos) 34o. de latitude norte. Fuçando na internet, é uma latitude que passa por Los Angeles, e além da Califórnia, pelos estados de Arizona, Novo México, Texas, Oklahoma, Arkansas, Mississipi, Alabama, Geórgia e ambas as Carolinas: escolha um.

Da data dos eventos, é incerto se a série seguirá os livros, que se passam em períodos diferentes. O primeiro livro é vago sobre o assunto, o mais recente dá o ano de 2.345.

A protagonista da história é levada por Rebecca Ferguson (a Lady Jessica no novo Duna), ainda constando Tim Robbins. O elenco manda muitíssimo bem em seus personagens, com seus próprios problemas e segredos, ajudando a tocar a trama em um ótimo andamento, até um final de temporada bem surpreendente: se isso lembra a vocês de decepções como Lost, compreensível. Mas me parece que aprendeu as lições do que não fazer. A princípio, já que encerra a temporada em... grande estilo, digamos.

Sir Friendzone, ainda suspirando pela aprovação duma lourinha...

A apresentação é particularmente estilosa, aproveitando a coluna central do Silo, ao redor da qual desce uma rampa e acessos por seus cem níveis, e tece comparações com uma colônia de cupins, a espiral do ADN, coluna vertebral, etc.

Silo é uma adaptação de um universo ficcional criado por Hugh C. Howey, que já rendeu escritos e uma graphic novel. Aliás, fandom wiki aqui.

Pela Apple TV+, eu espero que haja uma segunda temporada.

domingo, 16 de julho de 2023

Simbiontes

Capa da edição impressa.

SPOILERS ABAIXO

Simbiontes, de Gerson Lodi-Ribeiro, é um romance de ficção científica militar, em um raro caso brasileiro deste subgênero, passado em seu universo ficcional da Aeternum Sidus Bellum, em que uma situação de primeiro contato leva a Humanidade a desenvolver uma cultura eminentemente guerreira. Os escritos acompanham as guerras travadas através dos séculos contra os Ry’whax, primeiro em um império estelar, depois reformados em uma república - nada dura para sempre com as civilizações descritas por Gerson, a não ser a própria guerra em si.

É o segundo texto que leio deste universo, o primeiro sendo a noveleta No Amor e na Guerra (situada 400 anos antes deste romance), publicada na antologia Space Opera: Aventuras fabulosas por universos extraordinários e republicada na coletânea Os Humanos Estão Chegando.  

Como de hábito, o worldbuilding do autor é caprichado, como visto em outros trabalhos. Neste livro, há dois apêndices, um com a cronologia através de alguns séculos da ASB e outro com a biologia da raça Ry’whax.

A história versa a respeito de um projeto secreto vital para a Humanidade e seus aliados, que devido à guerra começam a enfrentar escassez de matéria prima sendo executado na estrela Rigel, e o sacrifício necessário para tirar a atenção do inimigo de lá quando eles descobrem suas atividades. A batalha espacial encarniçada que se segue, desafiando todas as probabilidades, termina nas cercanias de um planeta em outro sistema estelar que, a princípio parece desabitado - enganosas aparências que levam à segunda parte da trama.

Capa do e-book.

Os personagens, especialmente os humanos e seus aliados, têm um ponto de vista mais centralizado na história e, por isso, são melhores desenvolvidos que os oponentes, presos em um comportamento de terríveis conquistadores espaciais que, pessoalmente, não tenho nada contra em uma trama assim. O desenvolvimento dos personagens é interessante, embora em algumas cenas e diálogos eu tenha achado um pouco deslocados, especialmente em meio a um frenesi de batalhas espaciais. Mas isso não impede em nada a fruição do livro. 

O título é interessante, pois oferece algumas leituras: os simbiontes citados tanto podem ser os implantes no cérebro dos Humanos e aliados, que se comportam como entidades inteligentes à parte com personalidade própria; da relação belicosa entre Humanidade e Ry’whax e mesmo uma ocorrendo no mundo em que ambos os oponentes irão parar.

Para os entusiastas de cenários de guerra espacial e, ainda, promessas de grandiloquência cósmica, é recomendado. Quero ver como se desenrola nos demais escritos. :)

Termino aqui com uma pequena lista fornecida pelo autor dos escritos, dentro da cronologia interna de ASB: 

1) Decisão em Capella

2) Simbiontes

3) Germes Mortais

(*) Os Humanos Estão Chegando: coletânea com várias narrativas, desde anteriores a Decisão em Capella a posteriores a Simbiontes.

Simbiontes (2022)
259 pp. (edição física)
autopub.