segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Nas Montanhas da Loucura

Nas Montanhas da Loucura, editora Iluminuras (1999)

Spoilers abaixo. Be aware.

Concluí esta edição da Iluminuras, que contém a história-título e que abre o livro, e ainda as histórias A Casa Temida, Os Sonhos na Casa Assombrada e O Depoimento de Randolph Carter, todos por Howard Phillip Lovecraft.

Nas Montanhas Da Loucura (1936) é escrita em primeira pessoa, como de hábito do autor, na voz de um sobrevivente de uma expedição científica à Antártida, sendo testemunha de eventos terríveis, executados pelas habituais Coisas Que o Homem Não Deve Saber - só que aqui, tudo hiperdimensiona, fazendo desta uma das histórias capitais de Lovecraft.

Somos levados à uma cidade perdida, atrás de cordilheiras intransponíveis no gelo antártico, maiores que o Himalaia e o Monte Everest, cidade esta de dezenas de milhões de anos, criada por seres alienígenas tanto em origem quanto em composição, assim como a saber de sua História e seu terrível destino. O problema é afogar-se em tantas descrições: há o exótico, há o alienígena, há o assombro e há o terror, e inúmeros adjetivos ao longo do caminho, repetições de ênfases, etc. Menos, como dizem, é mais.

Havia tentado ler a primeira história ainda na edição da saudosa Francisco Alves, mas desistira. Por mais que eu adore as idéias de H. P. Lovecraft, sua prosa por vezes me parece o principal obstáculo, senão o único de fato, para realmente usufruí-las.

Mas consegui chegar ao fim das 126 páginas desta edição, e estou feliz por fazê-lo - ainda mais com o filme acenando logo além do horizonte.

A Casa Temida (1937) foge um pouco da ficção-científica/terror que Lovecraft passou a adotar (apesar do exorcismo científico), com a descrição do histórico sombrio assim como a criação da atmosfera da tal casa muito bem montadas.

Os Sonhos na Casa Assombrada (1933), outra história de... hum, casa mal-assombrada, com ligações mais usuais com o Mythos de forma geral. O processo de enlouquecimento do protagonista, entre equações matemáticas e sonhos com uma velha bruxa, é descrito de maneira atraente, e vemos um pouco mais da cidade de Arkham, um dos cenários naturais que Lovecraft usa.

O Depoimento de Randolph Carter (1920) é a história mais curta, também em primeira pessoa, de um sobrevivente que por uma questão de poucos degraus não testemunhou o Indizível que levou um amigo seu.

Não obstante os problemas que eu possa ter com o estilo de Lovecraft, em termos de cultura pop eu o tenho como um dos escritores mais influentes do Século XX e XXI, com sua obra influenciando diversos outros escritores de seu tempo, e mesmo cineastas, quadrinistas e projetistas de videogames de hoje em dia.

Nas Montanhas da Loucura
224 p.
Editora Iluminuras

UPDATE: link para a Rede RPG deste texto, com alguns acréscimos.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Outros Brasis


Outros Brasis, por Gerson Lodi-Ribeiro (2006)

Terminei Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro. Havia comprado na mesma noite de lançamentos que A Mão Que Cria, resenhado logo abaixo, mas que só agora pude ler.

A ficção-científica apresentada no livro é do tipo da História Alternativa, que se baseia em outros resultados através da História que resultam em situações diferentes: começa com uma pergunta, e se... Napoleão não tivesse sido derrotado em Waterloo, o Eixo tivesse vencido a II Guerra Mundial, Constantinopla não tivesse caído para os Otomanos, Júlio César sobrevivesse ou evitasse o atentado mortal no Senado - claro, processos históricos não se dão ao acaso - embora o acaso sempre possa estar à espreita, sabe-se como influenciando este ou aquele grande evento.

O livro apresenta duas possibilidades de Brasil, em O Agente de Palmares e Pax Paraguaya, com duas histórias cada. Em ambas, processos históricos outros levaram ao desmembramento do território do país - e estes são mundos melhores para sua população.

No Brasil de O Agente de Palmares (O Vampiro de Nova Holanda, Assessor para Assuntos Fúnebres), a conquista holandesa se firma em Pernambuco e arredores, aliás Nova Holanda, sob a regra benevolente de Maurício de Nassau, e os quilombos de ex-escravos se consolidam em uma nação à parte, a República Palmarina, aliada com Nova Holanda. Ambas são demonstradas como sendo progressistas, contra um Brasil luso atrasado. Palmares já foi reutilizada pelo menos uma vez, se não me engano na coletânea Outras Copas, Outros Mundos (editora Ano-Luz, 1998). Na primeira história, há uma descrição do Recife dos 1700 modernamente urbanizado que valia ser retratado visualmente.

O protagonista-título é uma criatura vampiresca, uma raça humanóide de origem antiga e incerta, que ao contrário do vampiro tradicional, reproduz-se entre machos e fêmeas de sua própria espécie e não se transforma em animais, vapor ou coisas do tipo, embora tenha armas naturais e força sobre-humanas. Dentes-Compridos é seu nome, nascido no auge do Império Inca, e com os séculos, acaba tendo um entendimento especial com os Palmarinos, passando a um emissário, digamos. É dele também Assessor para Assuntos Fúnebres, ambientado na Londres do Século XIX, quando é mostrado o seu encontro com ninguém menos que Jack, o Estripador.

Ambas as histórias contidas n'O Agente de Palmares são interessantes e aventurescas. O Vampiro de Nova Holanda introduz rapidamente dois personagens que, infelizmente, pouco participam muito da história, a princesa banto Amalamale e o espadachim francês Phillipe Bergerac. Espero que em futuras expansões eles tornem a aparecer, assim como outros personagens. Assessor para Assuntos Fúnebres aumenta as possibilidades do universo ficcional, mas eu não senti que tenha acrescentado tanto assim para identificar aquele Brasil alternativo.

Mapa da América do Sul em Pax Paraguaya
gentilmente cedido pelo autor. Clique para ampliar.

Pax Paraguaya utiliza dois pontos de divergência histórica para sustentar sua tese: a de que os EUA se tornam um país recluso após sua Guerra Civil e que o Paraguai vence a Batalha do Riachuelo, abrindo mais tarde a oportunidade de derrotar a Tríplice Aliança; passando este Paraguai triunfante a moldar o destino do Século XX a partir disto, em um mundo bem melhor, via de regra, do que o nosso.

O otimismo excessivo desta visão é admitido, no meio da trama d'A Ética da Traição, quando o Brasil e o mundo observados - os nossos - da realidade alternativa aqui apresentada admitidamente têm mais chances de ocorrer: mais pobres, mais injustos, mais medíocres. Tenho a impressão que o autor utilizou parte de algum ideário próprio para provocar este pequeno exagero, que servirá de mola para a tal 'ética da traição' do título.

Pesquisar o período sobre o qual irá se divergir é boa parte da diversão sobre o que vai ser escrito, e tenho certeza que querer compartilhar esta com o leitor também. Há uma tendência, portanto, a um didatismo talvez o autor tenha sucumbido. Não me afetou muito, na verdade, tive mais problemas com o detalhamento técnico de observações e viagens no Tempo envolvido na história -- embora ela não seja sobre isto, e sim, sobre consequências de um conflito ético que realmente faz pensar.

Crimes Patrióticos precede A Ética da Traição, e na forma de um atentado político, abre o universo alternativo de Pax Paraguaya. Bem mais curta, interessante à sua maneira, com dilemas e obsessões de dois homens indo cumprir seu dever. Na verdade, assim como Assessor..., esta história apenas dá um gostinho de quero mais para ambos Brasis.

No geral, o saldo é bastante positivo, sim, e entendo que, ao lado de O Vampiro de Nova Holanda, A Ética da Traição é uma de suas histórias mais famosas: Outros Brasis traz ao público brasileiro uma chance recente de poder ler ambas.

Outros Brasis
207 p.
Editora Mercuryo

domingo, 16 de janeiro de 2011

Os Filhos de Matusalém

Os Filhos de Matusalém (1958)

Aviso: spoilers abaixo.

Terminei Os Filhos de Matusalém, de Robert Heinlein, em edição da extinta Francisco Alves de 1978.

É, até onde entendi, o primeiro livro onde figura um dos principais personagens, senão o principal, do autor, chamado Lazarus Long.

A história é sobre o drama passado pelas ditas Famílias Howard, que vivem séculos antes de morrer, por terem começado um processo de escolha de parceiros conjugais baseados na longevidade de seus antepassados. Em 2125, eles resolvem ir à público e revelar sua condição, e a reação popular é a pior possível: ninguém acredita que não haja uma "Fonte da Vida Eterna", e logo eles perdem seus direitos civis mais básicos, como coerção para que entreguem o segredo. Dissecação está à vista. O jeito é fugir do sistema solar, roubando a primeira nave construída pela Humanidade a destinada a explorar as estrelas, vencendo os anos-luz, e torcer para encontrar um mundo adequado. 100 mil pessoas reunidas em um autêntico campo de concentração se atulham na nave, e fogem.

Alguns tantos anos se passam, e eles se deparam com dois planetas com possibilidade para a vida.

No primeiro, há uma raça que os acolhe bem, e apesar das diferenças de linguagem e mentalidade, a situação é bastante pacífica - até que fica claro que os deuses dos nativos existem, e na verdade estes são como os animais de estimação de entidades que não se revelam, ou não podem ser reveladas. Fica claro que os humanos não são material para serem animais de estimação, e o poder dos deuses faz com que os 100 mil partam em sua nave, sem conflito algum.

No segundo sistema solar, uma raça com grandes poderes telepáticos também os acolhe, e oferece uma bela paisagem verdejante onde não há falta de alimento ou de nada: a aparente falta de cidades ou tecnologia oculta uma raça que conhece matemática e biologia a tal ponto que a mera vontade canalizada consegue originar novas espécies a partir do que é existente. E ainda, suas consciências são coletivas - algo que aterroriza os protagonistas, especialmente quando uma humana, longeva porém preocupada com a morte, resolve se deixar levar pela coletividade e se funde mentalmente com a raça.

Estabelecido ainda que o paraíso é uma chatice quando não há nada a fazer, a volta para casa é planejada. Nem todos vão, é da escolha de cada um, e os que retornam o fazem 75 anos depois que fugiram. Entre a longevidade e questões relativísticas, para eles não passou tanto tempo assim.

Spoilers o suficiente depois, então, questões...

Heinlein, de formação de Exatas, passa algum tempo com os personagens em cogitações técnicas e científicas a respeito de velocidades acima à da luz. Sendo tudo novo para o gênio de bordo (Andrew Jackson "Slipstick" Libby, outro personagem recorrente de Heinlein), que constrói o mecanismo de navegação FTL - algo inédito ainda para a Humanidade -, dúvidas e elocubrações sobre a natureza do que estavam fazendo surgem o tempo todo. Sob um certo aspecto, o personagem está só (ainda que não sintamos, como leitores, esta solidão), pois suas dúvidas podem ser apenas expressas aos demais em linguagem cotidiana, o que, é claro, não faz ninguém entender realmente o problema. Como me disse um amigo, aliás físico, 'o mapa não é o território'. Não me meti a querer entender os problemas propostos por Heinlein, e fui adiante. Mas isto não atravanca a leitura, nem se torna assunto recorrente ou que se dependa a compreensão para usufruirmos a história.

O triunfo do indivíduo genial, parte da filosofia típica americana e que Heinlein adota sem o menor problema, está lá - especialmente na figura de Lazarus Long. O velho individualismo humano faz com que 'deuses' expulsem os homens de um planeta, e o conformismo aparente de um paraíso material e a diluição em uma mente coletiva são anátema para tal... olha, até aqui eu sou capaz de entender. Mas ai vem o final.

O final me incomoda. Porque mostra que essa mesma mentalidade, tão desafiadora a princípio, na verdade junta-se com uma visão bastante conservadora. Então, a noção de viajantes que fogem para sobreviver e que passam pelo ineditismo de dois primeiro-contatos com inteligências alienígenas (experimentando ainda situações de convívio) terminarem a viagem, quando de volta à Terra, preocupados em exigir seus direitos e recuperar sua propriedade privada... parece-me de uma mediocridade sem par.

Tirando isso, é um livro que diverte, oferece idéias poderosas por trás de tudo, a descrição dos alienígenas como algo realmente alienígena e como tentar lidar com diferenças insolúveis é bastante inspirador... o leitor brasileiro poderia ser beneficiado com uma futura edição com nova tradução, a deste volume eu acho que já caducou, assim como a mentalidade de quando foi escrita.

Os Filhos de Matusalém
216 p.
Ed. Francisco Alves

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Mão Que Cria



A Mão Que Cria, por Octavio Aragão (2006)

Levou quatro anos, mas finalmente decidi ler A Mão Que Cria, comprado e autografado na noite do lançamento, em 2006. Devorei.

Conheço o autor desde os 1998s da vida, da convivência virtual em listas dedicadas a ficção-científica e afins, especialmente da finada e saudosíssima lista da Intempol, seu projeto de shared universe literário. Ou seja, não sou isento aqui. Uma vez alertados...

Uma miríade de referências literárias, cinematográficas e de quadrinhos montam uma história de vingança, de feudos e dramas pessoais, firmemente entrelaçados nos destinos políticos de um mundo divergido do nosso histórica e tecnologicamente, com personagens históricos e fictícios convivendo, à maneira do gênero conhecido por ficção alternativa, da qual Anno Dracula (resenhado mais abaixo, no ano passado) é grande exemplar - e do qual o próprio Octavio Aragão assina o posfácio da edição brasileira.

Como um dos homens-golfinhos descritos, o autor desliza bem entre as referências que lança, costurando eventos isolados no tempo e na geografia, com saltos não só entre lugares mas também em períodos e eventos históricos. Ataques de zumbis, supersoldados, as duas guerras mundiais, reis submarinos manetas... a lista vai longa. Gentil, o autor ainda dispôs um pequeno guia de referências ao fim do livro.

A prosa do autor, em escritos passados, não costumava poupar muito o leitor, que tem que estar atento, às vezes 'ir de um neurônio', na gíria dos skatistas. Neste livro, a coisa é mais branda, há mais explicações do que estou acostumado a ver, mas faz parte de se escrever um page-turner.

O livro vem pela Editora Mercuryo, que na época ainda lançara Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro, sob o selo Unicórnio Azul, dedicado à literatura fantástica. Até onde soube, o selo foi extinto e, constatando no site da editora, ambos os livros não estão mais em estoque.

Apenas um alerta aos incautos: a editora comeu mosca, ao publicar datas erradas no início de certos trechos do livro (fazendo com que, por exemplo, o rei submarino maneta, descrito como havendo perdido a mão em 1970 assim já esteja nos capítulos finais, ditos em 1946). Em uma narrativa que naturalmente vai e volta ao longo do Século XX e arredores, isso pode realmente confundir. Um pequeno cartão anexo explica isto, mas caso seu exemplar não tenha, ou você não encontre... é torcer para que em uma futura edição isto seja revisto, além de outros deslizes menores. Certamente merecia mais cuidado.

De qualquer forma, em andamento já está a sequência: A Mão Que Pune. Resta aguardar...

A Mão Que Cria
159 p.